É com grande honra que publicamos o informativo desta semana, com a distinta colaboração do Dr. Victor Marschall Ferreira, consultor jurídico e assessor parlamentar do Senado Federal:
O anúncio de que as operadoras de internet passariam a aplicar o sistema de franquia limitada de consumo na banda larga fixa deixou o país assustado. A exemplo do que ocorre com alguns planos de internet móvel, as operadoras poderiam diminuir a velocidade ou até mesmo cortar o acesso após o consumidor atingir o limite de dados estipulado.
A reação da sociedade foi imediata. Em menos de uma semana, um abaixo assinado online já reunia mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas contra a medida. Numa análise rápida, indagações nos colocam a dúvida: não seria bom para a concorrência, que as empresas tivessem mais liberdade para moldar os seus serviços e produtos a fim de atingir em cheio as mais específicas demandas dos consumidores? Em geral, sim. Mas não nesse caso, não.
O setor de telecomunicações no Brasil está longe de ser regido pelas regras de mercado mais livres. A Anatel, que deveria zelar pelos interesses do consumidor e estimular a competição entre as empresas, atua mais como um balcão de regulações, ao contrário do que pensa o senso comum. Por isso mesmo o susto foi maior quando a agência anunciou o apoio à medida proposta pelas empresas, chegando a declarar, por meio de seu presidente, que “a era da internet ilimitada acabou”. Ora, essa declaração, por si só, já evidencia que o objetivo principal da Anatel, ao dar guarida à pretensão de limitar a internet, não é estimular a concorrência para gerar mais produtos e serviços, muito menos proteger o interesse do consumidor. Sob proteção da Anatel e com a máscara da falsa concorrência, o que temos na prática é um oligopólio.
Para o consumidor, o ideal é que se tenha o maior número de opções possível, mas num mercado tão fechado, no qual quase 90% dos contratos de internet banda larga fixa residencial são controlados por apenas três empresas, permitir que se limite o acesso à rede pode representar um enorme retrocesso. Hoje, inúmeros aspectos do exercício da cidadania dependem completamente da internet, como é o caso do ensino à distância (EAD), a declaração do imposto de renda e o acesso aos processos judiciais eletrônicos. Os serviços, a mídia, a informação e a comunicação, enfim, a vida das pessoas comuns está conectada.
Sem a verdadeira concorrência, adotar o modelo de franquia de consumo limitada seria o mesmo que deixar a população refém de altos preços e serviços de baixa qualidade, impostos por um sistema cartelizado.
Caso uma empresa estrangeira, como a Verizon, Vodafone ou Orange queira entrar no mercado brasileiro, vai se ver diante de barreiras de entrada quase intransponíveis, o que termina por inviabilizar o investimento e levá-la à desistência.
O ordenamento brasileiro impõe inúmeros requisitos como padrões mínimos de qualidade, abrangência mínima da prestação do serviço, o que obriga as empresas a comprarem enormes blocos de radiofrequência disponíveis apenas em leilões da Anatel. Não há condições para a livre entrada de novos prestadores do serviço.
A Anatel conta com mais de 600 resoluções que burocratizam o sistema.
Com todas as barreiras de entrada aí postas para impedir a participação de novas empresas, caso as 3 participantes do oligopólio decidissem adotar o sistema de franquia limitada para todos os planos, o Brasil poderia se tornar o único país democrático a não dar aos seus cidadãos a possibilidade de contratar a opção de internet ilimitada.
O poder público não pode se omitir nessas duas situações: a urgente, em que o consumidor se vê na iminência de ter de lidar com práticas abusivas em escala nacional; e a crônica, em que nosso sistema de telecomunicações sofre com a burocracia e a reserva de mercado do oligopólio vigente.
Como solução para a primeira, cabe a coerção das intenções de adotar práticas abusivas; por sua vez, resolver a segunda situação somente é possível repensando todo o nosso ordenamento arcaico e protecionista, revisando o papel da Anatel e abrindo o mercado.
É preciso evitar o abuso do oligopólio, que hoje mantém a população refém. Mas é igualmente necessário abrir o mercado das telecomunicações no país, discutir os critérios de entrada, revisar as resoluções da Anatel e, em nome de serviços cada vez melhores e mais baratos, levantar a bandeira da competição.
Autor: Victor Marschall Ferreira