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Curso de pós-graduação na área médica preenche os requisitos para fins de registro de especialização

Grande controvérsia que sempre assolou os médicos era saber se uma pós-graduação ou um curso de especialização em um determinado campo médico bastaria para a realização do registro de especialista, por exemplo, se o Dr. João tivesse cursado uma pós-graduação ou um mestrado em cardiologia ele poderia ser considerado como um cardiologista ou tão somente como médico? Para ser considerado como um cardiologista, ele necessariamente deveria cursar a residência médica?

Em regra, são os Conselhos profissionais de Medicina os orgãos responsáveis “pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente”[1]. Destaca-se ainda que, para que qualquer médico esteja apto a atuar em qualquer tipo de especialidade médica, este deve inscrever-se previamente no respectivo Conselho Regional. Com o intuito de regular o exercício da profissão, o Conselho passou a exigir demonstração mínima de qualificação profissional, requerendo daqueles que queiram anunciar-se como especialistas em determinada seara, que cursem a residência médica naquela especialidade que desejam trabalhar ou façam uma prova prática na área escolhida.

É perfeitamente legítima a preocupação do Conselho Federal de Medicina em estabelecer um critério mínimo para o exercício da profissão em uma área específica, que realmente demanda um conhecimento técnico mais elevado. Aqui, frisa-se, não se está a dizer que o médico está impedido de exercer a profissão, mas sim somente não poderá exerce-la com o rótulo de especialista. Não obstante a necessidade de uma mínima especialização, não se revela aceitável considerarmos que somente a residência médica teria o condão de conferir ao profissional médico esta condição de especialista. Tal entendimento acaba por restringir demasiadamente o livre exercício da profissão, ao estabelecer uma distinção desproporcional e indevida entre aqueles que cursam a residência médica e aqueles que se submetem a um curso de pós-graduação strictu ou lato sensu.

Até 2013, infelizmente, vigorava entre os Tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que somente a residência médica teria o condão de possibilitar a inscrição do médico como especialista perante o Conselho Regional de Medicina, decorrendo de uma interpretação literal do artigo 1º da Lei nº 6.932/81, que dizia o seguinte: “a residência médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”. Interpretava-se aludido artigo como se somente servisse a residência médica para fins de especialização, ou seja, qualquer outro tipo de curso de especialização que não a residência médica não serviria de nada para o profissional médico que desejasse inscrever-se nos quadros do Conselho Regional de Medicina e declarar-se como especialista em determinada área.  Para espancar de dúvidas o restritivo posicionamento, ainda que calcado em razões nobres, com vistas a criar um parâmetro mínimo para o exercício da medicina no Brasil, a Lei 12.871/2013 inseriu o §3º no referido Art. 1º da Lei 6.932/81, destacando que a residência médica constitui-se apenas como uma modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil, ou seja, ela também se destina à certificação – no plural – das especialidades médicas, mas não só ela, não há qualquer privilégio ou exclusividade à ela, não se podendo considerar a especialização lato sensu (pós-graduação) como uma exceção à regra na área médica.

Dessa forma, os Conselhos Regionais de Medicina, respeitando o direito garantido constitucionalmente de livre exercício profissional, não podem negar o registro como especialista daqueles médicos que tenham cursado algum curso de especialização, mestrado, doutorado ou pós-graduação, pois estão no mesmo – ou até mesmo superior – patamar que a residência médica, destinando-se a qualificar tecnicamente o exercício da medicina.

[1] ART. 2º DA LEI 3.268/1957, LEI QUE INSTITUIU O CONSELHO FEDERAL E OS CONSELHOS REGIONAIS DE MEDICINA.

 

Autor: Caio de Sá Dal’Col – OAB/ES 21.936

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