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A Execução Fiscal e o Novo CPC – Repercussões

É com grande alegria e honra que saudamos a presença de artigo escrito por nosso sócio Caio de Sá Dal’Col, em conjunto com a também advogada Lívia Dalla Bernardina Abreu, no “Livro Repercussões do Novo CPC: Fazenda Pública”, acerca dos impactos do novo Código de Processo Civil nos processos executivos fiscais, que, em regra, é o tipo específico de ação judicial utilizada pela Administração Pública para a cobrança de débitos tributários.

Para não deixar o leitor à mercê de maiores informações sobre o instigante tema, que, certamente, acaba por ser levado em consideração no planejamento estratégico de empresas e impacta, ainda que indiretamente, o cotidiano dos cidadãos, é que abordaremos abaixo alguns dos pontos levantados pelos autores no aludido artigo.

Situação muito comum que tende a sofrer grandes alterações sob a égide do Novo Código de Processo Civil (CPC) em benefício dos executados é a previsão de instauração de procedimento que permite um debate prévio acerca da possibilidade ou não de se cobrar dos sócios, gestores e/ou administradores dívidas da empresa, acabando com aquela infeliz surpresa de deparar-se com uma conta ou um bem bloqueado sem nem mesmo ter tido a chance de explicar-se.

Nesse contexto, importante compreender que a limitação da responsabilidade da empresa visa proteger o empreendedorismo e incentivar o investimento na atividade produtiva, na medida em que limita os riscos assumidos por quem desempenha a atividade empresarial.

Dessa forma, ao estabelecer um procedimento específico para que se atinja o patrimônio dos sócios pelas dívidas contraídas pela pessoa jurídica, o novo código mantém seu objetivo inicialmente destacado, de proteção à atividade empresarial.

Contudo, apesar da nova legislação trazer importantes alterações, que podem ter o condão de oxigenar e atualizar o sistema jurídico, trazendo-o mais para perto da realidade social, algumas regras devem também ser olhadas com mais cautela, como, por exemplo, a possibilidade de o juiz “determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável” (art. 772, II), destacando ainda que o juiz pode determinar as medidas necessárias ao cumprimento da ordem de entrega de documentos e dados (art. 773).

Como se percebe, tais disposições representam medidas coercitivas fortes e invasivas, de modo que há de se ter o devido cuidado para, ao serem utilizadas, não se violarem os direitos individuais, bem como a privacidade na relação entre clientes e contratantes. Por exemplo, não poderá se obrigar ao contador entregar os dados e documentos de seu contratante, uma vez que deve ser resguardado o sigilo profissional. De outro turno, tal regra também não poderia ser utilizada para “coagir” um empregado do executado a revelar dados ou informações de seu patrão. Se tais exemplos fossem possíveis, correríamos, enquanto país, o sério risco de vivermos em um Estado de Exceção, sobretudo com todo o aparato coercitivo estatal.

Com os influxos da Constituição de 1988, e com a sua consequente inserção principiológica no Novo CPC, dados conceitos ultrapassados foram redefinidos, sendo que, especificamente no que diz respeito aos processos executivos fiscais, é interessante que essa ótica também seja alterada, de forma a valorizar a eficiência da Administração na busca do adimplemento dos débitos tributários, assim como em respeitar e também olhar pelos direitos dos executados e cidadãos em não serem cobrados de uma forma injusta ou demasiadamente negativa, sem um respeito mínimo pelas atividades empresariais realizadas.

O Novo Código de Processo Civil, ao consagrar a aplicação de métodos alternativos de solução de conflitos, representou importante mudança paradigmática no sentido de privilegiar a busca por uma decisão construída em conjunto pelas partes, sem imposição da regra do tudo ou nada ou de um caminho predefinido e antiquado, que, ao fim, acaba por prejudicar todos os lados. Nesse sentido, destaca-se a previsão de criação de câmaras de conciliação administrativas, justamente no sentido de resolver amigavelmente o conflito.

Com o Novo Código, a partir do reforço legal permitindo a celebração de negócios jurídicos processuais, também entendemos ser possível a convenção, entre o devedor e o representante da Fazenda Pública, de pagamento parcelado de um débito tributário, sobretudo quando esta celebração visar resguardar a função social da empresa ou garantir/possibilitar o recebimento dos valores exequendos.

No mesmo sentido, imaginemos que um dado contribuinte tenha pago tributos a maior e, posteriormente, após requerida a compensação, vê contra si ajuizada uma execução fiscal referente a um outro tributo que realmente não havia sido pago na data correta. Regra geral, não seria possibilitada a realização de compensação dos créditos/débitos no processo judicial, uma vez que ainda não reconhecido formalmente o direito do contribuinte à restituição dos valores pagos indevidamente, porém, a nosso ver, seria perfeitamente possível e aconselhável a realização de negócio jurídico processual no referido caso, de forma a postergar, durante o prazo necessário, a realização de atos expropriatórios gravosos, até que sejam certificados/comprovados os valores pagos a maior pelo contribuinte, de modo que, ao final desta materialização, tornar-se-á possível o encontro de contas, finalizando-se o conflito da melhor forma, consensualmente e protegendo os direitos da Administração Pública e do contribuinte, respeitando e homenageando, ainda, a função social da empresa.

Transpondo esta nova realidade legislativa para as execuções fiscais, parece-nos que estes artigos permitem a negociação do crédito tributário tanto na esfera administrativa, quanto na judicial, possibilitando à Fazenda Pública celebrar acordo com o particular, desde que, é claro, motive e justifique o ato, sob o prisma dos princípios que regem a Administração Pública.

Na parte em que o CPC/2015 regulamenta as hipóteses de cooperação entre os juízos, cumpre observar o artigo 69, § 2º, IV e V, que previu expressa possibilidade de efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas, além da facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial.

Com efeito, referida previsão legal aplicada às execuções fiscais, em harmonia com o texto constitucional, buscou, antes de proteger o devedor, tutelar os interesses dos eventuais credores e da sociedade como um todo.

Isso porque, ao primar pela sobrevivência da sociedade empresária em detrimento de um crédito específico, busca resguardar a solvência da empresa, o que protege não só outros créditos, como também todos os beneficiários da atividade desenvolvida – trabalhadores, fornecedores e consumidores, dentre outros.

Como visto, muitas são as mudanças, sendo importante neste momento inicial de transição a fixação dos pontos da legislação processual civil que deverão ser aplicados às execuções fiscais. A casuística e os interesses egoísticos não podem prevalecer, sob pena de desvirtuar os valores tutelados pelo sistema jurídico brasileiro.

Autor: Caio de Sá Dal’Col – OAB/ES 21.936

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