Infelizmente, uma situação que vem devastando a tranquilidade dos “concurseiros” é a continuidade da contratação de pessoas por meio da chamada Designação Temporária (“DT”), para atuação na mesma função que a pessoa que foi devidamente aprovada em concurso público de provas ou de provas e títulos teria direito a ser nomeada.
Já se viu no Espírito Santo esse problema relativamente aos cargos de professores, assistentes sociais, fisioterapeutas, dentre outros. E são realmente inúmeras as vezes em que se promove a inclusão de uma pessoa por meio da famigerada “DT” para ocupação desses cargos.
O processo é muito simples. Os órgãos da Administração, normalmente Estados e Municípios, promovem, mesmo com o concurso homologado e candidatos aprovados para preenchimento de vagas, processos seletivos simplificados, em que são aprovados, inclusive mais candidatos que o previsto no concurso público.
O grande problema é que a Designação Temporária, figura jurídica criada para ocupação de cargos públicos em caráter de excepcionalidade e extrema necessidade da administração para atenção ao interesse público, foi deturpado, de modo que há hoje designações temporárias que duram 05 (cinco), 10 (dez), ou até 20 (vinte) anos por sucessivos ciclos de designações que perdem o caráter temporário e passam a ser quase que uma contratação por prazo indeterminado.
Vale ressaltar que a designação temporária é modo de preenchimento de cargos que tem caráter precário, ou seja, em havendo um cidadão aprovado em concurso público, é dele o direito de tomar posse e iniciar o serviço, mesmo estando fora do número de vagas, a partir do momento que se percebe que há pessoas além do máximo do concurso ocupando as vagas por meio da referida contratação temporária precária.
Assim, é de se ressaltar que todos aqueles que são aprovados ou mesmo ficam fora do número de vagas possuem o direito líquido e certo de requerer sua nomeação e posse no cargo para o qual prestaram concurso, quando se percebe a existência de ocupantes temporários das vagas, posto que a manutenção da contratação precária em detrimento do concursado viola o texto constitucional, rasgando o princípio do concurso público.
O Supremo Tribunal Federal já manifestou-se inúmeras vezes sobre o tema por meio de seus Ministros, de modo que vale trazer à colação as palavras do Eminente Ministro Marco Aurélio, à época, especificamente sobre os atos praticados pelo Estado do Espírito Santo nesta seara:
Ela é escancaradamente inconstitucional e data de 2004. Está a vigorar há mais de cinco anos e implicou arregimentação de mão de obra com desprezo ao princípio da universalidade, revelado pelo concurso público. As duas hipóteses jurídicas contempladas como exceção, na Carta, dizem respeito a cargo em comissão ou a trabalho temporário, devendo a Lei especificar as situações, o que, portanto, viabiliza o controle, inclusive pelo Judiciário.
A saúde não estará melhor, Presidente, com a manutenção dessa lei, em verdadeiro estímulo a que outras venham à balha versando também essa espécie de arregimentação. Tive oportunidade de dizer que, quando ela ocorre, ocorre sem alternância, porque há favorecidos quanto à contratação, favorecidos por uma sigla – muito comum em Brasília, mas sob o ângulo territorial -, que é o “QI”, “quem indica”.
A situação, no Brasil, revela-se de caos, completo caos, na saúde pública. Evidentemente, não podemos fechar os olhos a isso, mas não chegarão dias melhores com a permanência, no cenário jurídico-constitucional, dessa lei, ainda que se dê de forma balizada no tempo. Atravessamos quadra em que o certo passa por errado, o dito pelo não dito, e se vai flexibilizando e se partindo, passo a passo, para a perda de parâmetros e para o abandono a princípios, inclusive princípios mais caros, que são aqueles que interessam à coletividade e, principalmente, aos menos afortunados.
O Superior Tribunal de Justiça também tem firme entendimento nesse sentido, veja-se:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. EXPECTATIVA DE DIREITO QUE SE CONVOLA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.(…) 4. O STJ adota o entendimento de que a mera expectativa de nomeação dos candidatos aprovados em concurso público (fora do número de vagas) convola-se em direito líquido e certo quando, dentro do prazo de validade do certame, há contratação de pessoal de forma precária para o preenchimento de vagas existentes, com preterição daqueles que, aprovados, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função. (…) 7. Assim, há direito líquido e certo a ser amparado pelo Mandado de Segurança. 8. Agravo Regimental não provido. (AgRg no RMS 42.717/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 31/03/2015) (grifos não existentes no original).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA 284/STF. CANDIDATA APROVADA FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. COMPROVAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO. PRETERIÇÃO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DA PARAÍBA DESPROVIDO. (…) 3. A mera expectativa de direito se transforma em direito subjetivo à nomeação para os candidatos aprovados fora do número de vagas previsto no edital do concurso público nas seguintes hipóteses: (a) violação da ordem de classificação dos candidatos nomeados, em desfavor do requerente; (b) contratação de outra(s) pessoa(s) de forma precária para esta(s) vaga(s), ainda na vigência deste concurso público; e (c) abertura de novo certame ainda na vigência do anterior. 4. In casu, as instâncias de origem reconheceram o direito subjetivo da agravada à nomeação em razão da comprovação de que, durante o prazo de validade do concurso, houve a contratação temporária em preterição aos candidatos aprovados em concurso público. 5. Agravo Regimental do Estado da Paraíba desprovido. (AgRg no AREsp 432.638/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 04/08/2014) (grifos não existentes no original).
O Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, Manoel Alves Rabelo, Doutor em Direito Administrativo pela UFMG, alega que é clarividente que quando da existência de contratações temporárias (com caráter precário) em detrimento de candidatos aprovados por concurso público, há violação da Carta Magna, surgindo para os aprovados e os que estão fora do número de vagas o direito de serem efetivados nos serviços, uma vez que a contratação temporária é excepcional e meramente para fins de atender a necessidade temporária do interesse público, mas que deve cessar e a vaga ser preenchida pelo concursado. Veja-se trecho do julgado de sua relatoria:
CADASTRO DE RESERVA – DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CARGO VAGO CONTRATAÇÕES PRECÁRIAS IRREGULARES EXPECTATIVA DE DIREITO CONVERTIDA EM DIREITO À NOMEAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO (…) 3 Resta clarividente que a mera expectativa de direito do agravado transformou-se em direito subjetivo à nomeação, havendo cargos vagos para sua especialidade e a necessidade de preenchimento, ante a reiterada contratação de temporários por parte da administração municipal ao longo dos anos, corno provam os diversos processos seletivos simplificados realizados. 4 – Embora seja possível que o Município faça contratações temporárias para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do artigo 37, IX, da Constituição Federal, no caso ora em debate há prova suficiente da existência de cargo efetivo vago, não sendo tal necessidade transitória, além da preterição do agravado, impondo a manutenção da decisão originária. 5 – Recurso desprovido. (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 35149001113, Relator : MANOEL ALVES RABELO, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 17/11/2014, Data da Publicação no Diário: 05/12/2014)
Portanto, é importante perceber que atitudes como esta de manutenção da nomeação de “DTs” para cargos que deveriam estar preenchidos por concursados devidamente aprovados é reconhecidamente atitude violadora da Constituição da República Federativa do Brasil, e do direito daquele que se preparou, estudou e foi aprovado para exercício da função pública que tanto almeja.
Autor: Rubens Laranja Musiello — OAB/ES Nº 21.939